São Francisco de Assis é um dos santos mais amados e populares do povo brasileiro. O novo Papa assumiu o nome de Francisco para cumprir a mesma missão que ele teve, há mais de 800 anos, a de restaurar a Igreja que estava em ruinas. O Papa Francisco tem semelhante missão: a de restaurar uma Igreja arruinada por vários tipos de escândalos internos a ela que lhe tiraram o que de melhor tinha: a credibilidade e a confiabilidade dos fiéis. Aqui transcrevo uma imaginária mensagem de São Francisco de Assis, por ocasião da visita do Papa Francisco de Roma à Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Ela está contida num livro que acabo de publicar pela editora Mar de Ideias, com o título: “Francisco de Assis e Francisco de Roma: uma nova primavera para a Igreja?”
Assim falou São Francisco aos jovens de hoje
Queridos jovens, meus irmãos e minhas irmãs.
Como vocês, também fui jovem. Era filho de um rico comerciante de tecidos: Pedro Bernardone. Com ele fui às famosas feiras do sul da França e da Holanda. Aprendi francês e conheci um pouco o mundo, especialmente a música dos jograis e as cantigas de amor da Provence.
Minha festiva juventude
Meu pai, muito rico, me proporcionou todas as facilidades. Eu liderava um grupo de jovens boêmios que adoravam passar muitas horas à noite nos becos das ruas, cantando poemas de amor cortês e ouvindo menestreis que narravam histórias de cavalaria. Fazíamos festins e muita algazarra. Assim se passaram vários e alegres anos.
Depois de algum tempo, comecei a sentir um grande vazio dentro de mim. Tudo aquilo era bom, mas não me preenchia. Para superar a crise, tentei ser cavaleiro e fazer façanhas em batalhas contra os mouros. Mas no meio do caminho desisti. Entrei num mosteiro para orar e fazer penitência. Mas logo percebi que esse não era o meu caminho.
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O chamado para reconstruir a Igreja em ruínas
Lentamente, porém, começou a crescer dentro de mim um estranho amor pelos pobres e profunda compaixão pelos hansenianos que viviam isolados, fora da cidade. Lembrava-me de Jesus que foi também pobre e o muito que sofreu na cruz.
Certo dia, quando entrei numa igrejinha, de nome São Damião, fiquei longamente contemplando o rosto chagado do Cristo Cruficado. De repente, me pareceu ter ouvido uma voz vindo dele:”Francisco, vá e repara a minha igreja que está em ruinas”
Aquelas palavras calaram fundo no meu coração. Não conseguia esquecê-las. Comecei, com minhas próprias mãos, a reconstruir uma pequinina e velha igreja em ruinas, chamada de Porciúncula. Depois, pensando melhor, me dei conta de que aquela voz se referia à Igreja feita de homens e de mulheres, de prelados, abades, padres, não excluindo o própro Papa. Ela estava em ruína moral. Grassavam muitas imoralidades, fome de poder, acumulação de riquezas, construções de palácios de cardeais, de papas e suntuosas igrejas. Tudo aquilo que Jesus seguramente não queria de seus seguidores.
A descoberta do evangelho e dos pobres
Achei por bem beber da fonte genuina da reconstrução da Igreja: os evangelhos e o seguimento de Jesus pobre. Ninguém me inspirou ou mandou; mas foi Deus mesmo que me conduziu ao meio dos hansenianos. E tive imensa compaixão deles. Aquilo que antes achava amargo, agora, pelo amor compassivo, se me tornava doce. Comecei a pregar pelos burgos as palavras de Cristo, em língua popular que todos entendiam. Via nos olhos da pessoas que era isso que esperavam e queriam ouvir.
Todos os seres da criação são nossos irmãos e irmãs
Nas minhas andanças me fascinava a beleza das flores, o canto dos passarinhos, o ruido das águas dos riachos. Tirava do caminho poierento a minhoca para não ser pisada. Entendi que todos tínhamos nascidos do coração do Pai de bondade. Por isso éramos irmãos e irmãs: o irmão fogo, a irmã água, o irmão e Senhor Sol e a irmã e a Mãe Terra.
Muitos antigos companheiros de festas e diversões se juntaram a mim. Uma bela e querida amiga, Clara de Assis, fugiu de casa e quis compartilhar a nossa vida simples. Começamos um movimento de pobres. Nada levávamos conosco. Apenas o ardor do coração e a alegria do espírito. Trabalhávamos nos campos ou pedíamos esmolas. Queríamos seguir os passos de Cristo humilde, pobre e amigo dos pobres. Tive a compreensão do Papa Inocêncio III que aprovou, não sem hesitações, o caminho que eu e meus companheiros queríamos seguir.
Depois de alguns anos, já éramos uma multidão a ponto de eu não saber mais como abrigar e animar tanta gente. O resto da história vocês conhecem. Não preciso repeti-la. Com o apoio do Papa daquele tempo, criou-se a Ordem dos Frades Menores, com diversos ramos, que persiste até os dias de hoje.
Vejam, queridos jovens, irmãos e irmãs meus queridos. Tive uma experiência que certamente vocês, como jovens, também tiveram ou estão tendo: de roda de amigos, de festas e de folias. Portanto, temos algo em comum.
Mas aproveito agora que estamos juntos para dizer-lhes algumas coisas que considero de suma importância para os tempos atuais.
A Mãe Terra está doente e com febre
A primeira é: como nunca antes, estamos num momento critico da história da Terra e da Humanidade. O clamor da natureza se faz ouvir de forma cada vez mais forte. Nossa querida Mãe Terra está doente e com febre, pois, já há muito tempo, a estamos superexplorando. Tiramos dela mais do que ela anualmente pode repor. O ar está contaminado, as águas poluidas, os solos envenados e nossos alimentos cada vez mais quimicalizados. O aquecimento da Terra não para de aumentar. Milhares de espécies de seres vivos, nossos irmãos e irmãs, estão desparecendo por ano: uma verdadeira devastação, ocasionada pela forma agressiva com a qual nos relacionamos com a natureza, com os seres vivos e a com própria a Terra.
Devemos urgentemente fazer uma aliança global de cuidar da Terra e uns e dos outros, caso não quisermos conhecer grandes dizimações que afetarão toda a comunidade de vida. Corremos, portanto, grande risco. Mas se assumirmos uma responsabilidade solidária e um comportamento de cuidado com tudo o que existe e vive, poderemos escapar desta tragédia. E vamos escapar.
Colocar o coração no centro de tudo
Uma segunda coisa preciso dizer-lhes como um irmão mais experimentado: temos que mudar a nossa mente e o nosso coração. Mudar a mente para olhar a realidade com outros olhos. Os olhos das ciências hoje nos comprovam que a Terra é viva e não apenas algo morto e sem propósito, uma espécie de baú de recursos ilimitados que podemos usar como queremos. Eles são limitados, como a energia fóssil do carvão e do petróleo, a fertilidade dos solos e as sementes. Ela é mãe generosa. Precisa ser cuidada, amada e respeitada como o fazemos com nossas mães.
Vocês sabem que os astronautas, lá da Lua ou de suas naves espaciais, nos testemumharam: Terra e Humanidade são inseparáveis; formam uma única entidade, indivisível e complexa. Por isso nós, seres humanos, somos aquela porção da Terra que sente, que pensa, que ama e que venera. Somos Terra e tirados da Terra como nos dizem as primeiras páginas da Bíblia. Mas recebemos uma missão única, como se lê no segundo capítulo do Gênesis: somos colocados no Jardim do Eden, quer dizer, na Mãe Terra, para cuidar e guardar todas as bondades naturais. Somos os guardiães da herança que Deus e o universo nos confiaram e que queremos repassar para nossos filhos e netos, conservada e enriquecida.
Além da mente devemos também mudar o nosso coração. O coração é tudo. É o lugar do sentimento profundo, do afeto caloroso e do amor sincero. O coração é o nicho de onde crescem todos os valores e se expressa o mundo das excelências. Junto com a razão intelectual que vocês tanto exercitam na escola, no trabalho e na condução da vida, existe a inteligência cordial e sensível. Ela foi, por muito tempo, colocada sob suspeita com o pretexto de que ela nos tiraria a objetividade do olhar. Puro engano. Hoje entendemos que precisamos resgatar, urgentemente, a razão cordial e sensível para enriquecer a razão intelectual. Só com a razão intelectual sem a razão cordial não vamos sentir o grito dos pobres, da Terra, das florestas e das águas. Sem a razão cordial não nos movemos para ir ao encontro dos que gritam e sofrem, a fim de socorrê-los, oferecer-lhes um ombro e salvá-los. Da razão cordial nasce a ética, aquele conjunto de valores que orientam nossa vida.
Por isso, meus queridos jovens, vocês que naturalmente são sensíveis para os grandes sonhos e para o vôo de águia na direção das alturas, cultivem um coração que sente, que se comove e que leva à ação salvadora. Essa razão cordial e sensível é mais ancestral que a inteligência intelectual. É ela que nos faz guardar as boas ou más experiências.
Uma terceira coisa gostaria de dizer-lhes confiadamente: importa nunca esquecer os pobres do mundo. São milhões e milhões de irmãos e irmãs que nos atualizam a paixão de Jesus. Eles devem ser reforçados em suas lutas e movimentos para se libertarem da pobreza que Deus não quer porque ela os faz morrer antes do tempo. A fome é assassina e nós não podemos permitir esse crime coletivo. Em seguida faz-se urgente proteger a Mãe Terra e cuidar da vida. Ambas estão ameaçadas. Faz-se urgente inauguarmos uma forma nova de habitar o planeta Terra. Assim como estamos, não podemos continuar. Até agora habitávamos dominando com o punho fechado e submetendo tudo. Os novos conhecimentos foram o grande instrumento de intervenção na natureza. Em quatrocentos anos afetamos as bases naturais que sustentam a nossa vida. Alimentamos um projeto de ilimitado progresso. E de fato trouxemos notáveis progressos e comodidades para grande maioria da humanidade. Mas hoje estamos conscientes de que a Terra, pequena e limitada, não aquenta um projeto ilimitado. Encostamos nos seus limites. Porque continuamos a forçar estes limites, a Terra responde com tufões, enchentes, secas, terremotos e tsunamis. Esse modelo agressivo de habitar o mundo, cumpriu sua missão histórica. A continuar assim, pode nos causar grandes prejuízos e eventualmente ameaçar a espécie humana. Temos que mudar se quisermos sobreviver.
No lugar do punho fechado para submeter, devemos ter a mão aberta para o cuidado essencial, para o entrelaçamento dos dedos numa aliança de valores e princípios que poderão sustentar um novo ensaio civilizatório.
Precisamos produzir, sim, para atender as necessidades humanas. Mas temos que aprender a produzir respeitando os limites da natureza e da Terra, tirando delas o necessário e o decente para a vida de todos, com justiça e equidade. Será uma sociedade de sustentação de toda a vida. O centro será ocupado pela vida da natureza, pela vida humana e pela vida da Terra. A economia e a política estarão a serviço mais da vida do que do mercado.
Sejam a mudança que querem para os outros
Caros jovens: sejam vocês mesmos a mudança que querem para os outros. Comecem vocês mesmos a viver o novo, respeitando cada um dos seres da natureza, cada planta, cada animal, cada paisagem porque eles possuem um valor intrínseco e em si mesmo, independente do uso racional que fizermos deles. São nossos irmãos e irmãs. Com eles fundaremos uma convivência de respeito, de reciprocidade e de mutua ajuda para que todos possam continuar vivos neste planeta, também os mais vulneráveis para os quais devotaremos mais cuidado e amor.
Queridos irmãos e irmãs jovens: resistam à cultura da acumulação e do consumo. Pensem nos outros irmãos e irmãs que são milhões e milhões que vivem e dormem com fome e com sede e passando por grandes padecimentos. Nunca, em nenhum dia, deixem de pensar e se preocupar com os pobres e com seu destino dramático, principalmente, das crianças inocentes.
Tenham um consumo solidário e vivam uma sobriedade compartida; façam a experiência de que com menos poderão ser mais e que a felicidade reside não no enriquecimento e numa boa profissão, mas no compartir e tratar sempre humamente a todos os humanos, nossos semelhantes e estar em harmonia com a natureza e os ritmos da Mãe Terra.
Alimentar a dimensão da espiritualidade na vida
Por fim, caros jovens, irmãos e irmãs meus queridos: nada disso tudo que refletimos terá eficácia se não misturarmos Deus em todos os nossos empreendimentos. Ele não está em parte nenhuma, porque está em todas as partes. Mas está principalmente no coração de vocês. Dentro de cada um de vocês queima uma brasa viva e arde uma chama sagrada: é a presença misteriosa e amorosa de Deus. Ele emerge de forma sensível no fenômeno do entusiasmo, tão forte na idade de vocês. Entusiasmo significa ter um Deus dentro: é o Deus interior, Deus companheiro e amigo, Deus de amor incondicional.
A nossa cultura materialista e consumista cobriu de cinzas esta brasa e ameaça apagar a chama sagrada. Afastem essa cinza através da abertura do coração a esse Deus; reservem cada dia um momento para pensar nele, conversar com ele, queixar-se e chorar diante dele e dirigir-lhe uma súplica. Às vezes não digam nada. Coloquem-se apenas silenciosos diante dele. Ele poderá lhes falar e lhes suscitar bons sentimentos e luminosas intuições. Nunca abandonem Deus, porque Ele nunca os abandona e abandonará. Vivam como quem se sente na palma de sua mão. E então estarão protegidos porque Ele é Pai e Mãe de infinita ternura.
A última palavra pertence ao Deus da vida
Desde que o Filho de Deus por Jesus assumiu a nossa humanidade, ele assumiu tambem uma parte da Terra e dos elementos do universo. Portanto, estes já foram divinizados e eternizados. Nunca mais serão ameaçados. Mas nós podemos. Consolam-nos s palavras da revelação dos dizem que Ele, Deus, é “o soberano amante da vida”(Sab 11,24). Ele sempre ama tudo o que um dia criou. Não esquece de nenhuma criatura que nasceu de seu coração. Por isso, confiemos todos, que Ele vai proteger a nossa querida Mãe Terra e garantir o futuro da vida que é o future de vocês todos.
Não disperdicem o tempo porque ele é urgente. Desta vez não podemos chegar atrasados nem cometer erros, pois corremos o risco de não termos volta nem formas de correção dos erros cometidos. Mas não percam o entusiasmo nem esmoreça a alegria do coração. A vida sempre triunfa porque Deus é vivo e nos enviou Jesus que disse ter vindo para trazer vida e vida em abundância.
Era o que queria, do fundo de meu coração, lhes falar.
Por fim, faço-lhes um pedido muito especial: rezem, apoiem, colaborem com o Papa que leva o meu nome, Francisco. Ele vai restaurar a Igreja de hoje como eu tentei restaurar a Igreja do meu tempo. Sem a ajuda de vocês, se sentirá fraco e terá grandes dificuldades. Mas com o entusiasmo e o apoio de vocês, com as orações nos seus grupos e movimentos, ele vai cumprir a missão que Jesus lhe conficou: conferir um rosto confiável à nossa Igreja e confirmar a todos na fé e na esperança. Com vocês ele será forte e irá conseguir.
Agora, antes de nos despedirmos, lhes darei a bênção que um dia dei ao meu íntimo amigo Fei Leão, a ovelhinha de Deus:
Que Deus vos abençoe e vos guarde!
Que Ele mostre sua face e se compadeça de vós!
Que volva o seu rosto para vós e vos dê a paz!
Que Deus vos abençoe!
Paz e Bem
Francisco. o Poverello e Fratello de Assis
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