"Na grandeza e na beleza das criaturas, contempla-se, por analogia, o seu Criador" (Sb 13,5) e "o que é invisível n'Ele - o seu eterno poder e divindade - tornou-se visível à inteligência, desde a criação do mundo, nas suas obras" (Rm 1,20). Por isso, Francisco pedia que, no convento, se deixasse sempre uma parte do horto por cultivar, para ai crescerem as ervas silvestres, a fim de que, quem as admirasse, pudesse elevar o seu pensamento a Deus, autor de tanta beleza. O mundo é algo mais do que um problema a resolver; é um mistério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor. (Laudato Si, 12)Em busca de uma vida plena devemos estar sempre traçando nossas ações sob o olhar de Deus. Este sempre nos guia a tornar uma versão mais humana de nós mesmo, e nos forneceu um mundo rico das mais belas cores e formas para que pudéssemos sempre achar inspiração em suas obras.
A natureza é composta de diversas plantas, animais, recursos minerais com diversas potencialidades que atendem as necessidades do homem. Assim, diversas sociedades surgiram e prosperaram no curso da história. Embora, haja alguns relatos de povos que pereceram devido a usurpação exaustivas de seus recursos naturais.
Conhecer e usufruir de forma consciente e responsável as coisas de Deus permite uma vida mais digna a todos, pois ganância e egoísmo a qualquer custo silenciam as vozes dos que mais sofrem e perpetuam um ciclo onde sempre teremos segmentos da população vivendo em estado de sobrevida.
O exemplo de Francisco na contemplação da natureza e na proposta de deixar uma parte do horto para crescer ervas silvestres é algo que esta em destaque em nossa sociedade hoje, visto que nossa alimentação é limitada de recursos e nutrientes e buscamos soluções para estes.
A falta de comida ou de uma alimentação saudável é uma grande problemática em muitas comunidades. Na história da alimentação humana mundial há os modismos temporários e, obviamente, a alimentação sofre influências da mídia e dos interesses econômicos. Assim o Homem acabou optando pela especialização ao invés da diversificação alimentar. Muitas espécies atualmente denominadas “daninhas” por alguns vêm servindo de alimento para populações humanas desde o Paleolítico e outras que atualmente gozam de privilégios no campo, na indústria. nos mercados e nas mesas dos consumidores eram até pouco tempo atrás consideradas “inços, matos, daninhas”.
Com o predomínio dos interesses econômicos e desenvolvimento de monoculturas onde umas poucas espécies melhoradas são cultivadas em diversas regiões do mundo e a globalização dos mercados, conhecimentos tradicionais caíram em desuso. As dificuldades de vida do pequeno produtor no campo sobrepujado também pela mecanização permitida pelas monoculturas levou ao êxodo rural. Atualmente, mesmo as pessoas oriundas do meio rural já perderam muito dos conhecimentos práticos sobre as plantas que poderiam ser usadas como alimento. Muitas daquelas pessoas que ainda têm algum conhecimento do que pode ser utilizado como fonte complementar na alimentação parecem ter vergonha de colher plantas em seus quintais ou sair para colher em terrenos baldios, sítios e outras áreas limítrofes não poluídas ou devem achar que estão regredindo ao Paleolítico. Aquelas que detém poder financeiro compram nos grandes supermercados, feiras e muitas das pessoas carentes acomodam-se a pedir e ou aproveitar restos das feiras e lixos residenciais. Contudo, o fator preponderante para falta de uso é o desconhecimento do que pode ser utilizado como alimento e seu modo de preparo.
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Dentre as 10 espécies frutíferas mais produzidas no Brasil nenhuma é nativa. No que se refere às hortaliças nativas a pesquisa, o cultivo, o uso e a valorização parece ser ainda menor. No mundo, estima-se que 30.000 espécies vegetais possuem partes comestíveis. Mesmo assim, 90% do alimento mundial atualmente vem de apenas 20 espécies, as mesmas descobertas por nossos antepassados do Neolítico, em diversas regiões onde a agricultura teve início e que foram incorporadas por quase todas as culturas existentes. Além de tão poucas, hoje a maioria destas espécies cultivadas é restrita a poucas cultivares (variedades) e muito da agrobiodiversidade destas cerca de 20 espécies foram extintas, perdidas ou vem sofrendo grande erosão genética.
Por ser um país grande e tropical, o Brasil tem uma biodiversidade imensa a ser pesquisada, estima-se em torno de 10.000 espécies nativas com potencial uso alimentício. Ou seja, ainda há muito a se estudar, coletar, cultivar e experimentar. Esse patrimônio natural de recursos fitogenéticos é um dos principais ativos brasileiros e, seguramente, pode desempenhar papel estratégico na consolidação do desenvolvimento nacional e na elevação da qualidade de vida da população brasileira.
Monocultura |
.. A poluição que afecta a todos, causada pelo transporte, pelos fumos da indústria, pelas descargas de substâncias que contribuem para a acidificação do solo e da água, pelos fertilizantes, insecticidas, fungicidas, pesticidas e agro-tóxicos em geral... Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus; quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas húmidas; quando os seres humanos contaminam as águas, o solo, o ar... tudo isso é pecado. Porque um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus. (Laudato Si 20, 8)Em contraponto, também temos aqui grandes áreas plantadas somente visando a exportação (cerca de 53% das áreas plantadas são monocultivo de soja), deveríamos ter uma política mais direcionada tanto na diversificação do que se planta como também destinar parte dessas áreas para o descanso e recuperação da nossa diversidade.
Cerca de somente 2% das espécies descritas de plantas apresentam algum conhecimento a respeito de seus usos para alimentação ou medicinal. Pesquisas atuais a respeito de etnobotânica (estudos onde verifica-se quais são as espécies botânica mais frequentemente utilizadas nas pequenas comunidades) já mostram que cerca de metade delas são espécies de plantas europeias muito utilizadas já na indústria farmacêutica. Isso demonstra que boa parte do conhecimento intrínseco da nossa flora está se perdendo, assim como parte de nossa identidade.
E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar. E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente. Gênesis 2:15,16
“Enquanto «cultivar» quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, «guardar» significa proteger, cuidar, preservar, velar. Isto implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza. Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras.”. (Laudato Si, 66)
Aqui entram as pouco conhecidas Plantas Alimentícias Não-Convencionais (Panc's), facilmente encontradas na natureza e podem trazer a biodiversidade de volta ao prato. Em geral, não fazem parte do cardápio diário da maior parte das pessoas e não costumam ser encontradas em mercados convencionais. Elas não são transgênicas e, na maior parte dos casos, são orgânicas.
As Pancs crescem espontaneamente em qualquer ambiente. Sua alta resistência faz com que sejam encontradas em quase todos os lugares, pois são nativas de cada região. No mundo todo, a riqueza de plantas alimentícias foi estimada em 75 mil espécies em 1991, pelos ambientalistas Kenton Miller e Laura Tangley, autores do livro “Trees of Life: Saving Tropical Forests and Their Biological Wealth”. Apesar de serem tão comuns, ainda são poucos os que percebem sua função alimentar. O desconhecimento nos leva a considerá-las como pragas e inços que descartamos, ignorando seu alto valor nutritivo.
Nem sempre foi assim. Várias Pancs costumavam ser consumidas por nossos avós ou bisavós. Sua eliminação do cardápio diário foi se dando devido à pouca diversidade da agricultura convencional, que limita a dieta contemporânea a poucas espécies, como o trigo e arroz, e também devido ao afastamento do homem com o contato da natureza e da produção de seus alimentos. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que o número de plantas consumidas pelo homem caiu de 10 mil para 170 nos últimos cem anos, devido aos interesses comerciais da agroindústria.
No Brasil, a utilização dessas plantas voltou à tona com a publicação, em 2014, do livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc)” no Brasil – Guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas” de Valdely Kinupp e Harri Lorenzi. Na obra, estão catalogadas 351 espécies consumidas no passado ou em alguma região do país e do mundo, com imagens para facilitar sua identificação, além de informações sobre seu uso culinário e receitas. O livro tem sido considerado o grande manual para um número crescente de adeptos da alimentação orgânica e saudável.
Embora ainda distantes do cardápio da maioria dos brasileiros, algumas Pancs já fazem parte de pratos da alta cozinha, por meio das mãos de chefs como Alex Atala e Helena Rizzo. Considerado um dos melhores restaurantes do mundo, o paulista Maní, de Helena Rizzo, oferece uma sobremesa de mil folhas com creme de caule (rizoma) de lírio e sorbet de flores de lírio-do-brejo. Este último ingrediente é o não-convencional: perfumado e delicado, encantou a chef em 2014, quando ela o descobriu em uma incursão pela mata no litoral norte de São Paulo.
Vegetais como o taiá, a vinagreira e a bertalha foram substituídos, na alimentação dos brasileiros por espécies como a couve, a rúcula e a alface. E o que é uma planta comestível pouco difundida em um lugar, pode ser uma verdura tradicional em outra parte do mundo. Especialista em cultura culinária e gastronômica, o sociólogo Carlos Alberto Dória explicou à Revista da Cultura que a rúcula era considerada uma erva daninha até pouco tempo atrás. E hoje, é uma de nossas saladas mais básicas. “Há uma fronteira móvel entre cultura e biodiversidade”, afirmou Dória, explicando que, enquanto já existem pessoas explorando os cogumelos da Mata Atlântica, os supermercados brasileiros ainda só vendem os da Ásia e os da Europa.
Além das plantas que jamais chegam à nossa cozinha, também podemos considerar Pancs outras que são comuns, das quais fazemos uso apenas de uma parte, sem levar em conta que outras também podem ser consumidas. É o caso da bananeira, que, além do fruto, pode ter os mangarás (corações ou umbigo) e os frutos aproveitados.
O desconhecimento sobre as Pancs priva o paladar de experiências muitas vezes saborosas – e organismo, do acesso fácil a uma série de nutrientes necessários para a manutenção da saúde. Isso porque muitas destas plantas têm mais nutrientes (como o ferro) do que os convencionais.
Fique atento: as Pancs podem estar no seu quintal, em hortas, terrenos baldios e até nas calçadas da cidade.
Textos adaptados de:
GIRALDI, Mariana; HANAZAKI, Natalia. Uso e conhecimento tradicional de plantas medicinais no Sertão do Ribeirão, Florianópolis, SC, Brasil. Acta Botanica Brasilica, v. 24, n. 2, p. 395-406, 2010.
KINUPP, Valdely Ferreira; BARROS, I. B. I. Levantamento de dados e divulgação do potencial de plantas alimentícias alternativas no Brasil.Horticultura brasileira, v. 22, n. 2, p. 17-25, 2004.
KINUPP, Valdely Ferreira. Plantas alimentícias não-convencionais (PANCs): uma riqueza negligenciada. REUNIÃO ANUAL DA SBPC, 61a, p. 4, 2009.
KINUPP, Valdely Ferreira; LORENZI, Harri. Plantas alimentícias não convencionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas. 2014.
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