“É que Narciso acha feio o que não é espelho”, diz a música de Caetano Veloso. O mito também é conhecido: “O jovem que se entorpeceu pela própria beleza e morreu tentando abraçar a própria imagem refletida no lago”. Para o narcisista, o mundo existe em função dele, para espelhar e refletir as suas incontáveis qualidades de ser “único, especial e inalcançável”. Na parábola de Jesus (Lc 18,9-14), para o fariseu narcisista, o próximo e Deus também são espelhos. O primeiro, aquele “desprezível cobrador de impostos”, cheio de pecados e limitações, serve para que o fariseu se encante com a própria perfeição, pelo fato de ter uma conduta irretocável, um verdadeiro “hors concurs” da espécie humana. Deus, no caso, seria mero espectador a aplaudir de pé a extensa lista de qualidades autodeclaradas por aquele que incensa a si próprio.
O cobrador de impostos, ao contrário, parece não sofrer do transtorno de personalidade narcisista. Faz lembrar uma pessoa comum, ciente de seus próprios limites mas confiante na misericórdia de Deus. Ele se reconhece como pecador e este autorreconhecimento é a porta aberta para que Deus possa agir e plantar a justiça naquele coração que está em busca da paz. Por isso se diz que o último, humilde e frágil, saiu justificado, e o primeiro, orgulhoso e narcisista, não obteve a justificação, pois em seu coração não havia espaço para mais ninguém, a não ser para a própria imagem ilusória que ele possuía de si mesmo.
Como é praxe em suas parábolas, Jesus pinta em cores fortes estas duas atitudes humanas diante de Deus: a arrogância do fariseu e a humildade do cobrador de impostos. Tentar enquadrar-se de modo imediato em uma das figuras não é tarefa que se mostre das mais produtivas. Uma autoanálise desta natureza não se faz tão simples, a modo de um teste de revista do tipo “responda a este questionário e veja o quanto você é ‘fariseu’”. O exercício mais inteligente, portanto, é perceber que, ao contar esta parábola, Jesus ilustra duas tendências presentes na personalidade humana.
O importante é olhar para si com atenção, identificando os elementos que ocupam desnecessariamente o precioso espaço de nosso coração, deixando o campo livre para Deus agir, afinal Ele sabe das coisas e deseja nos trabalhar da melhor maneira possível. À medida em que o espaço é ocupado por Seu Espírito, nossa oração se torna mais eficaz e transformadora, ao modo da prece do humilde que “atravessa as nuvens” (Cf. Eclo 16,21).
Fonte: http://www.franciscanos.org.br/?p=118877
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