O modo de ver o mundo e as 'espiritualidades'




Nossas ‘espiritualidades’ atuais – e falamos ‘espiritualidades’, pois são diversos os modos de viver a mensagem cristã – estão muito inseridas no modo da sociedade ser. Normalmente é assim mesmo. É como se usássemos óculos que nos faz ver sempre daquele jeito. Lembremos que, quando São Paulo pregou aos coríntios e eles logo ‘aceitaram’ a mensagem evangélica, contudo, com o passar do tempo, demonstraram que a interpretavam a partir da vivência ‘patronal’ que existia, derivada da visão social romana. O apóstolo teve que escrever cartas e fazer duras correções no modo de agir deles. Eles não estavam vivendo o evangelho, pois faziam acepção de pessoas e transformaram a Eucaristia em uma celebração de exclusão. Assim, também corremos o risco e, como vivemos, normalmente ocorre, de interpretar a mensagem evangélica a partir de nosso olhar mais superficial. É preciso superar tal visão mundana. Para isso é necessário passar por uma ‘conversão’ de nosso olhar. Fazer uma leitura espiritual das Fontes Franciscanas requer tal ‘mudança de rota’. Vencer nosso modo automático de ver as coisas é essencial para encontrar caminho.

Uma autocrítica se faz obrigatória. Precisaremos adentrar no entendimento da pobreza evangélica. Ou melhor, mais que entendimento, faremos dela nosso modo de ser. Pobreza em espírito nos faz abertos a que nos vem. Faz suspeitar de nós mesmos, de nossos preconceitos e possíveis ‘durezas mentais e emocionais’.

Sabemos que no mundo falta muita reflexão e aquela que mais atrapalha o amadurecimento humano-espiritual, é a ausência da autocrítica e da aceitação e/ou averiguação das críticas sofridas. Estamos por demais fragilizados em nossa solidão. Pela liberdade pregada na contemporaneidade, criamos uma espécie de ‘jardim de infância’. Todo tem que dar certo e devemos afastar todos os incômodos. Lembremo-nos das novas denominações cristãs que crescem e se alastram por diversos lugares. Trazem a concepção: “Parece de sofrer!”. Propõem o bem-estar, a prosperidade e o alívio de todo sofrimento. Procura a paz dos ‘cemitérios’, dos ‘mortos’.



Nessa mesma dinâmica do ‘não sofrer’, ao lado das novas igrejas, crescem também o uso de medicamentos para depressão, ansiedade, etc. Cada dia mais é instalado novas drogarias pelas cidades. Ao lado delas estão também mais e mais distribuidoras de bebidas. Novas igrejas, drogarias e aumento nas vendas de bebidas alcoólicas, sem falar no crescente número de novas drogas. Tais situações são expressão de uma sociedade que está doente em uma visão limitada da vida. Que poderíamos chamar de infantilizada e infantilizadora. Quem tenta sair desse ciclo pode facilmente receber rejeições.

Outra expressão clara de tal dificuldade de concentração e dificuldades de lidar com a existência está na relação entre pais e filhos. Os pais hoje têm extrema dificuldade de dar limites aos filhos. Vemos situações de fragilidade emocionais no exercício da autoridade. Pais que são dominados por crianças de três, quatro, cinco anos. Mãe e pai que, por medo de perder o amor do filho, não estabelecem limites sadios. Todos tentando evitar o ‘sofrimento’, a ‘angústia’, que na realidade, seria natural na vida e neste caso, na educação.  

Caso venhamos a tomar a Sagrada Escritura e as Fontes Franciscanas com esse ‘óculos’, nada conseguiremos tirar de vigoroso a não ser aqueles aspectos que reforçam nossa postura atual. Veremos Francisco de Assis como aquele personagem florido, amável, cuidador da natureza e do irmão. Desprezaremos todo o vigor que vem com ele e buscaremos apenas o que nos é agradável.

Na vivência religiosa tal visão é quase predominante em nossos dias. Os momentos de oração devem ser sempre ‘agradáveis’, ‘gostosos’. A reflexão até mesmo tem sido evitada, pois pode causar mal-estar, dificuldades. Assim se prefere um ambiente bom e light. Existe um psicologismo nessa busca de ‘tranquilidade’ na oração e na reflexão. Da forma semelhante que as novas denominações cristãs pregam o ‘pare de sofrer’, também pode ocorrer que busquemos este mesmo estado. É um desafio a ser superado quando propomos a leitura espiritual das Fontes. É preciso nascermos para um novo modo de ‘ver’. Podemos dizer que é um novo nascimento. “Em verdade, em verdade, te digo: quem nãos nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3,3).

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